Portaria do Ministério do Trabalho considera que dispensar funcionário que recusa imunização contra a covid-19 é prática discriminatória. Para especialistas, porém, direito individual não se sobrepõe ao coletivo em caso de saúde pública.
Por Fernanda Fernandes
O governo publicou, ontem, portaria que proíbe a demissão por justa causa de trabalhadores que não se vacinaram contra a covid-19. O texto, assinado pelo ministro do Trabalho e Previdência Social, Onyx Lorenzoni, também considera “prática discriminatória” a exigência do comprovante de vacinação em processos seletivos para admissão de empregados.
“Ao empregador é proibido, na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação, certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame, perícia, laudo, atestado ou declaração relativos à esterilização ou a estado de gravidez”, diz a portaria.
Desde julho deste ano ocorrem demissões por recusa da vacina, e elas têm sido deferidas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em setembro, a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi, afirmou que o bem-estar coletivo está acima do direito individual de escolher se imunizar ou não contra a doença. “O direito da coletividade se sobrepõe ao direito individual e, se um empregado se recusa à vacinação, ele vai comprometer o meio ambiente de trabalho que, necessariamente, deve ser promovido, por meio do empregador, da forma mais saudável possível, por isso, há uma justificativa que tem embasado decisões nesse sentido”, disse a presidente, na ocasião.
Além da proibição de demissão e não contratação por exigência do certificado de vacina, a portaria também determina o ressarcimento, por danos morais, dos trabalhadores que, eventualmente, passarem pelo “ato discriminatório”. O empregado tem direito, ainda, a optar entre a reintegração ao trabalho com ressarcimento integral do período afastado ou o recebimento, em dobro, da remuneração do intervalo de afastamento.
Pelas redes sociais, o ministro Onyx Lorenzoni afirmou que a medida, que vai contra o entendimento da presidente do TST, estabelece proteção para o trabalho no Brasil. “Este documento tem um único objetivo: preservar o direito à liberdade, as garantias ao trabalho e o acesso ao trabalho de milhões e milhões de brasileiros”, afirmou. “A escolha se vai receber ou não a vacina pertence apenas ao cidadão ou à cidadã, está no âmbito da sua liberdade individual, e isso tem que ser respeitado”, completou.
A advogada Vera Barbosa, especialista em direito do trabalho do escritório Sarubbi Cysneiros Advogados Associados, explicou que a competência para discutir a constitucionalidade da portaria assinada, ontem, pelo governo, é do Supremo Tribunal Federal (STF). “O Supremo já reconheceu a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações”, afirma.
Segundo a advogada, a Lei nº 13.979/20, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, prevê a possibilidade de vacinação compulsória na população, o que conflita com a portaria do governo.
O advogado constitucionalista Leandro Almeida de Santana, vai na mesma direção. “A exigência de certificado de vacinação para admissão em emprego ou a demissão por justa causa na falta dele, não é medida desarrazoada. De fato, o direito de todos à saúde e ao bem-estar coletivo deve prevalecer sobre o direito individual de se vacinar ou não, exceto quando justificada a recusa”, afirmou.
“Com a portaria, o governo Bolsonaro, que nunca escondeu seu negacionismo e falta de ações na contenção da covid-19, parece querer demonstrar uma preocupação com o trabalhador que jamais existiu”, afirmou Santana.
Fonte: Correio Braziliense, terça-feira, 2 de novembro de 2021, p. 6