Por Ilana Silveira
Em 2018, após a greve dos caminhoneiros, ocasionada pelo alta do diesel, intensificou-se a discussão acerca da possibilidade de comercialização direta do etanol entre as usinas e os postos revendedores, como forma de incentivar a concorrência no mercado de combustíveis. Nesse contexto, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e a ANP propuseram a avaliação do tema para atingir esse objetivo.
Com a MP 1.063/21, o Governo Federal se alinha a esses movimentos e dá novo ímpeto à discussão do tema, sob a justificativa de fomentar uma maior eficiência logística ao setor, promover a livre concorrência, proteger os interesses do consumidor e induzir a redução no preço final do etanol.
A principal mudança trazida na MP 1.063/21 foi a autorização para que a venda de etanol seja realizada diretamente aos postos de combustíveis. Dessa forma, a intermediação dos distribuidores na logística do negócio passa a ser facultativa. Até então, somente as distribuidoras podiam vender combustíveis aos postos: compravam o combustível do produtor e o revendia aos varejistas.
Além disso, a medida trouxe a possibilidade de flexibilização da fidelidade à bandeira. Antes da alteração normativa, o posto de gasolina que desejasse exibir a marca de uma distribuidora deveria adquirir exclusivamente os produtos dela, conforme disposto no art. 25, § 4º da resolução ANP 41, de 2013. Agora, a nova medida possibilita ao revendedor comercializar combustíveis de outros fornecedores, ainda que opte por exibir a marca comercial da distribuidora.
À vista da importância de haver regulamentação sobre o assunto, dada as suas implicações práticas, a medida provisória determinou que o assunto seria regulamentado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no prazo de noventa dias, contado da data de sua publicação.
No entanto, no dia 14 de setembro de 2021, a questão passou a ser regulamentada provisoriamente, por meio do decreto 10.792/21, até que sobrevenha a regulamentação da ANP. Com isso, a flexibilização da bandeira passa a ser regulamentada da seguinte forma:
a) O revendedor varejista de combustíveis automotivos que optar por exibir marca comercial de distribuidor de combustíveis líquidos e comercializar combustíveis de outros fornecedores deverá identificar de forma destacada e de fácil visualização a origem do combustível comercializado;
b) Cada bomba medidora para combustíveis líquidos deverá exibir a inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e a razão social ou o nome fantasia dos fornecedores; e
c) O painel de preços do revendedor deverá exibir, na identificação do combustível, o nome fantasia dos fornecedores.
Nota-se que essas disposições buscam prestigiar a proteção consumerista, uma vez que impõe o dever de informar o consumidor sobre os diferentes produtos e serviços oferecidos pelos postos de combustível.
Já, quanto às relações contratuais, a MP previu que as novas regras não se aplicam aos contratos com cláusula de exclusividade entre postos e distribuidoras que já tenham sido celebrados e estejam vigentes na data de publicação da MP, exceto se, em comum acordo, os contratantes dispuserem em contrário.
No que se refere às questões tributárias, a MP, impõe a análise de duas matérias: a mudança no sistema de recolhimento dos impostos federais e a alteração na cobrança das contribuições para o PIS/Pasep e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Muito se questionou sobre como seria feita a compensação do valor da contribuição tributária do intermediário no caso das vendas diretas, de modo que a mudança não resultasse em renúncia fiscal, pois, até então, a carga tributária era dividida entre as distribuidoras e os produtores. A solução trazida na MP foi no sentido de que, nos casos de venda direta entre o produtor e os postos de gasolina, será cobrado do produtor a alíquota atualmente prevista para o produtor ou importador somada à que seria aplicável à distribuidora. Ou seja, embora elimine a obrigatoriedade da figura do intermediador, a MP não prevê a redução de impostos sobre os combustíveis, já que o produtor arcará com a contribuição tributária que seria da distribuidora.
A segunda questão tributária refere-se à cobrança da contribuição para o PIS/Pasep e da contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) na venda de álcool anidro importado para ser misturado à gasolina, quando o distribuidor também for importador. A medida eliminou a desoneração tributária prevista até então para estes casos com o objetivo de tentar equilibrar a cobrança de impostos entre o produto nacional e o importado. Ou seja, nesses casos, a operação, que não era tributada, passará a ser.
Ressalta-se que a submissão a esse regime tributário é condição imposta para os interessados, visto que o decreto 10.792/21, ao antecipar a entrada em vigor da venda direta de etanol, autorizou a aplicação imediata dessas regras pelos interessados, desde que se adaptem ao novo regime tributário previsto na MP 1.063/21.
À luz dessas considerações, constata-se que a política de distribuição de combustíveis passa por um intenso momento de transição que impõe uma análise atenta das suas repercussões jurídicas, tendo em vista, sobretudo, que toda a legislação existente até então foi pautada com base na intermediação das distribuidoras de combustíveis.